O equívoco da contribuição patronal sobre o abono de faltas

A matriz constitucional das contribuições para a seguridade social está contida no Art. 195, da Constituição Federal, sendo que seu inciso I, alínea “a”, prevê a incidência do tributo sobre a folha de salários e rendimentos do trabalho pagos à pessoa física, ou seja, em face da relação de trabalho. Em complemento, o Art. 201, § 11, da Constituição Federal, define como folha de salários, a soma de valores pagos em retribuição à atividade laboral, com habitualidade.

 

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n.º 565.160/SC, firmou a seguinte tese de repercussão geral:

 

“Tema 20 – a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador é composta pelos ganhos habituais do empregado, a qualquer título, quer anteriores, quer posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998, não afasta a necessidade da definição individual da natureza jurídica das verbas controvertidas e de sua habitualidade”.

 

Quanto à analise da natureza jurídica da verba, se remuneratória ou indenizatória, através do Art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/91, designou o legislador como hipótese de incidência ou hipótese tributária da contribuição previdenciária, o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, seja pelos serviços prestados, seja pelo tempo em que o empregado ou trabalhador avulso permanece à disposição do empregador ou tomador de serviços.

 

Portanto, na medida em que o pagamento dos abonos de falta com atestado não configura uma verba habitual e não há, tampouco, retribuição ao trabalho, tal verba possui natureza jurídica de indenização.

 

Pandemia potencializou afastamento da força de trabalho

 

Diante disso, num contexto de Pandemia como o que vivemos recentemente, que acreditamos piamente ter sido superado com a normalização das atividades, as empresas tiveram que se deparar com um aumento exponencial no afastamento de sua força de trabalho, fazendo com que seus custos na manutenção de sua atividade mais do que duplicasse.

 

Estima-se que mais da metade dos afastamentos de funcionários, no mês de janeiro de 2022, por exemplo, ocorreram em decorrência da Covid-19, segundo a Aliança para a Saúde Populacional, com base em dados da Closecare, empresa especializada em gestão de atestados médicos. Apenas para se ter uma ideia desse impacto, 39% dos afastamentos tinham relação no mês de dezembro de 2021, saltando para 51% no mês de janeiro. Saliente-se que a média histórica de afastamentos é de um a cada quatro funcionários (25%), dado que, por si só, já impacta na gestão de qualquer empresa, quiçá com o aumento registrado[i].

 

Além desse aumento exponencial, o número de dias de afastamento também aumentou, pois até o impacto da Pandemia, a média era de 2 dias, subindo para 3,8, ou seja, um aumento de 76%, trazendo às empresas impactadas, no período compreendido entre janeiro de 2020 a junho de 2021, uma perda média de substanciais R$ 116 bilhões!!!!![ii]

 

Ou seja, as empresas além de arcarem com os custos preventivos, higienização e proteção, agregam a isso o pagamento de horas extras à equipe para suprir a ausência daquele colaborador durante o período de afastamento, ou mesmo a contratação de pessoal para fazer frente à rotatividade desses afastamentos, que interferem, inclusive, na produção industrial, trazendo consigo imenso impacto no volume da produção, afetando toda a cadeia de suprimentos.[iii]

 

Dentro desse contexto econômico e social, considerando os termos do art. 22, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91, interpretando-o à luz dos conceitos firmados de remuneração e habitualidade, apenas os ganhos habituais do empregado serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária, motivo que justifica a inconstitucionalidade e a ilegalidade da contribuição previdenciária incidente sobre o abono de faltas justificadas por atestado médico, independente do período, pois não representa nem rendimentos decorrentes do trabalho, uma vez que não estão compreendidas no conceito constitucional e legal de salário ou rendimento pago ou creditado às pessoas físicas que prestam serviços ou estão à disposição das pessoas jurídicas empregadoras, muito menos há qualquer habitualidade na sua incidência, conforme entendimento sedimentado no Tema 20/STF.

 

Portanto, não se pode sustentar a exigibilidade de contribuição previdenciária sobre o abono de faltas por atestado médico, mesmo que não tenha chegado a completar 15 dias de afastamento, especialmente os colaboradores afastados em decorrência da Covid-19.

 

Saliente-se que as empresas até foram agraciadas por um breve período através da Lei nº 13.982/2020 que, por 3 meses, as permitiu não recolherem contribuições previdenciárias sobre as remunerações pagas aqueles trabalhadores afastados em decorrência da Covid-19, mas somente nessas condições[iv].

 

Sabemos que condições excepcionais, requerem respostas excepcionais, como se deu com a referida medida, todavia, restringe-se ao período de apenas 3 meses, permitindo-se que as empresas sigam recolhendo contribuições previdenciária para os demais casos de faltas abonadas por atestado médico, o que nos parece ferir a isonomia entre contribuintes.

 

Exigir contribuições previdenciárias, devidas pelas empresas, sobre verbas que não se coadunam com o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho ou pelo tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador ou tomador de serviços, causa afronta direta à limitação ao poder de tributar dos entes federados e outros princípios constitucionais, de modo arbitrário e surpreendente.

 

Dessa forma, a MSH coloca toda a sua expertise à disposição, para as devidas orientações aos contribuintes que poderão buscar o reconhecimento da ilegitimidade no recolhimento da contribuição previdenciária – cota patronal – sobre os rendimentos pagos durante o período de afastamento por doença de seus funcionários, independente do período de afastamento.

 

[i] DALL’AGNOL. Laísa. Pandemia causa explosão de atestados médicos no primeiro mês do ano. Revista Veja. São Paulo, 19 de jan. 2022. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar/a-explosao-de-atestados-medicos-ligados-a-covid-no-brasil/. Acesso em 28 de mar. de 2022.

 

[ii] NOBRE. Paula. Empresas gastaram R$ 116 bi com afastamentos na pandemia, alta de 57%, diz pesquisa. CNN Brasil. São Paulo, 07 de out. de 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/empresas-gastaram-r-116-bi-com-afastamentos-na-pandemia-alta-de-57-diz-pesquisa/. Acesso em 28 de mar. 2022.

 

[iii] SFREDO. Marta. Indústria gaúcha diz que elevado número de atestados por covid-19 “desorganiza a produção”. Zero Hora. Porto Alegre, 03 de ago. de 2021. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/marta-sfredo/noticia/2021/08/industria-gaucha-diz-que-elevado-numero-de-atestados-por-covid-19-desorganiza-a-producao-ckrwdv8m8005p013brzd3tlsz.html. Acesso em 28 de mar. 2022.

 

[iv] Art. 5º A empresa poderá deduzir do repasse das contribuições à previdência social, observado o limite máximo do salário de contribuição ao RGPS, o valor devido, nos termos do § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado empregado cuja incapacidade temporária para o trabalho seja comprovadamente decorrente de sua contaminação pelo coronavírus (Covid-19).

 

Por Agenor Getelina Junior, advogado na Machado Schütz & Heck Advogados Associados.

Edição, SEO e textos adicionais: Alexandre Bertolazi

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